Há alguns meses atrás, num dia de Primavera, que este ano foi
magnífica, fui buscar ao expresso da tarde, que vinha de Lisboa, um amigo que
convidei para vir cá conhecer a terra. Ao desembarcar – e depois de ter
relanceado os olhos em volta – exclamou: “ah, Mora, mas é bonito!”
Surpreendeu-o a amenidade do vale da ribeira em frente, o leve ondular
das colinas para lá do leito do rio, o odor das flores das laranjeiras esparsas
pela encosta do casario da vila e o jogo da malha. “aqui ainda se joga à
malha”, exclamou admirado….
Sim, jogava-se à malha no largo, havia um não sei o quê de acariciador
no ar ameno, nas mesas da esplanada ao lado algumas pessoas conversavam
tranquilas olhando os passageiros que desembarcavam – e o comentário do meu
amigo fez-me pensar na razão pela qual nós, que cá vivemos, nem sequer damos
por isto! Estamos demasiado preocupados com as tarefas do dia-a-dia, em ler as
mensagens que nos chegam aos écrans
dos telemóveis, computadores e tabletes, muitas vezes chegadas do outro lado do
mundo, e nem sequer sabemos olhar para o que nos rodeia; e o pior, acreditem, é
que isto nos empobrece dramaticamente!
Lopes Correia não era assim; os tempos também eram diferentes. Lopes
Correia gostava de Mora e soube dizê-lo sem complexos. Nem sequer era da terra,
era de Trancoso, mas escreveu sobre Mora de uma maneira admirável. Deixou-nos
um livro, infelizmente muito pouco conhecido intitulado “Memorial de Uma Vila”,
onde nos conta, em crónicas despretensiosas, episódios saborosos da vida
quotidiana de meados do século passado, da terra que foi, para ele, lugar de
eleição e de adoção.
Sabia olhar para a Vila, como ninguém: esse «borrifo de cal derramado
encosta abaixo» e comprazia-se a olhar as ruas, os becos e as pequenas praças
da malha urbana que então tinha uma superfície bem menor do que a atual.
«Se nunca reparaste nisto, se nunca deambulaste no silêncio da noite,
por estes recantos cheios de mistério; se nunca pousaste os olhos, quando
galgas a veia da ribeira onde tufos de salgueiros bebem água no veio da
corrente, nesse borrifo de cal derramado encosta abaixo, e é a mais saborosa
vista da vila, então permite eu te diga que nunca olhaste a tua terra com a
ternura de filho» - escreve na página 41 do livro acima citado, numa edição
póstuma de autor publicada pela Ediliber em Coimbra no ano de 1994.
Com estas linhas pretendemos iniciar um conjunto de pequenos artigos que
falem, de forma despretensiosa, sobre as obras de um punhado de autores que
escreveram sobre Mora e o seu concelho; autores que nos contam histórias
engraçadas sobre o passado da região, abordando personagens e episódios da vida
das pessoas que viveram antes de nós no espaço que hoje habitamos.
Prof. Joaquim Lagartixa
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