BROTAS, UMA
FÁTIMA DE TEMPOS IDOS?
Desde a publicação do trabalho de
Henrique da Silva Louro 1* que o fenómeno religioso conhecido por “culto de
Nossa Senhora de Brotas” tem vindo a merecer a atenção de especialistas de
variados domínios das ciências humanas, envolvendo áreas como as da história, da
antropologia e mesmo da literatura oral 2*. Tal interesse justifica-se
plenamente, dada a complexidade do fenómeno acima referido, que possui uma
série de ingredientes de grande estímulo para aqueles que se dedicam ao estudo
de fenómenos desta natureza. Com efeito, em relação com o “culto de Nossa
Senhora de Brotas” existe uma lenda sobre a qual se podem fazer leituras de
diferentes graus, um povoado (Brotas) que pode ter tido a sua origem na
irrupção do sagrado na vida quotidiana de um humilde pastor e um outro, Vila
das Águias, desaparecido, do qual resta uma imponente torre em ruínas no meio
de um descampado.
Do ponto
de vista da história das religiões, o fenómeno Brotas pode ser entendido como
uma “hierofania”, isto é, um «acto da manifestação do sagrado» 3*, dado que
«todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem
como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna
qualitativamente diferente» 4*.
De acordo
com a lenda, ainda hoje muito presente no imaginário popular local, Brotas
nasceu de uma aparição de Nossa Senhora num descampado a um pastor desconsolado
pela morte da sua vaca que tinha caído num barranco. Nossa Senhora ressuscita o
animal, único sustento do humilde pastor e
a partir deste milagre funda-se o culto religioso, constrói-se no local
uma ermida e nasce o povoado.
Uma das versões escritas mais antigas desta lenda, ela própria elaborada a partir de testemunhos orais, conta o seguinte: «diz a tradição oral que ”aqui nestas campinas guardando um pastor vacas lhe veio a caso cair uma nesta barroqueira, a qual depois de muito buscada achando-a o pastor morta, no lugar onde agora está a ermida, começou de a esfolar, e tendo já cortada uma mão como de costume, lhe apareceu a Senhora e lhe disse que lhe fizesse uma casa naquele mesmo lugar e venerasse nela aquela imagem, a qual fez milagrosamente de osso da canela da vaca que o pastor tinha cortado, e subitamente desapareceu ficando a vaca viva e sem lesão em algum membro do que espantado o pastor foi dar logo recado aos vizinhos da Aldeia ou Vila das Águias donde ele era os quais vendo o milagre levantaram logo uma pequena ermida à Senhora em que puseram a Imagem da Nossa Suma Veneração" 5*. Facto curioso é que a imagem “da nossa suma veneração”, na linguagem do autor da fonte citada, não é de osso como diz a lenda, mas de marfim 6*, o que suscita algumas interrogações: terá existido uma imagem anterior à atual esculpida em osso que entretanto foi substituída pela de marfim? Ou a imagem já então era a atual e o cronista não deu pela contradição? É apenas um exemplo das várias questões que se podem pôr relacionadas com Brotas e que não cabem aqui nestas linhas, que poderiam certamente ser elucidadas se se fizessem escavações arqueológicas no local e mesmo no recinto outrora ocupado pela Vila das Águias. Tais escavações trariam certamente alguma luz em torno das origens do povoado e da sua igreja, acerca dos quais restam dúvidas sobre a sua exacta localização no tempo.
Uma das versões escritas mais antigas desta lenda, ela própria elaborada a partir de testemunhos orais, conta o seguinte: «diz a tradição oral que ”aqui nestas campinas guardando um pastor vacas lhe veio a caso cair uma nesta barroqueira, a qual depois de muito buscada achando-a o pastor morta, no lugar onde agora está a ermida, começou de a esfolar, e tendo já cortada uma mão como de costume, lhe apareceu a Senhora e lhe disse que lhe fizesse uma casa naquele mesmo lugar e venerasse nela aquela imagem, a qual fez milagrosamente de osso da canela da vaca que o pastor tinha cortado, e subitamente desapareceu ficando a vaca viva e sem lesão em algum membro do que espantado o pastor foi dar logo recado aos vizinhos da Aldeia ou Vila das Águias donde ele era os quais vendo o milagre levantaram logo uma pequena ermida à Senhora em que puseram a Imagem da Nossa Suma Veneração" 5*. Facto curioso é que a imagem “da nossa suma veneração”, na linguagem do autor da fonte citada, não é de osso como diz a lenda, mas de marfim 6*, o que suscita algumas interrogações: terá existido uma imagem anterior à atual esculpida em osso que entretanto foi substituída pela de marfim? Ou a imagem já então era a atual e o cronista não deu pela contradição? É apenas um exemplo das várias questões que se podem pôr relacionadas com Brotas e que não cabem aqui nestas linhas, que poderiam certamente ser elucidadas se se fizessem escavações arqueológicas no local e mesmo no recinto outrora ocupado pela Vila das Águias. Tais escavações trariam certamente alguma luz em torno das origens do povoado e da sua igreja, acerca dos quais restam dúvidas sobre a sua exacta localização no tempo.
Brotas, rua da Igreja
A referência documental mais antiga que se conhece
relacionada com Brotas data do ano de 1424 7* e refere a existência de uma
herdade no caminho para Santa Maria das Brotas. Ficamos sem saber, no entanto, pois
a fonte citada não explícita sobre o assunto, se no local, naquela época, já
existia algum culto relacionado com a lenda de Nossa Senhora de Brotas, o que
não nos permite concluir com segurança se a lenda é realmente anterior ao
povoado como se lê na versão apresentada acima, ou se o povoado, embora
certamente minúsculo, teve uma existência anterior, dando a lenda a ocasião
para a construção da igreja. "Seja como for, e como consequência do culto que
progressivamente se foi desenvolvendo, o Cardeal D. Afonso, no reinado de D.
João III, acaba por fazer da capela de N.a Sr.a das Brotas, a matriz da
freguesia. Baseou-se essa decisão num pedido que os habitantes de Brotas lhe
dirigiram e que ele deferiu em 7 de Abril de 1535 atendendo ao bom fundamento
das razões apresentadas" 8*. Tal decisão prova indubitavelmente que, no século
XVI, Brotas, com o seu culto, era um lugar em franca expansão, o que pode
igualmente ser comprovado pelas melhorias que, nesse século, a ermida
experimentou. «A
igreja que hoje vemos apresenta uma silhueta característica do século XVII,
embora a sua construção tenha passado por várias campanhas de obras,
nomeadamente na primeira e segunda metade do século XVI, onde foram erguidas a
capela-mor e as capelas laterais» 9*.
É
por essa época e no século seguinte que o culto de Nossa Senhora das Brotas vai
atingir o seu apogeu, entrando em declínio no século XVIII. No tempo do seu
máximo esplendor era muito grande a animação no largo fronteiro ao Santuário
de Nossa Senhora de Brotas porque, a dar crédito a uma fonte do século XVIII,
«... logo depois da Natividade
da Senhora (..) se forma um arraial de barracas neste sítio, por
tempo de nove dias, de tanta gente que algumas vezes se chegou a avaliar
o número dela em mais de doze mil ou quinze mil pessoas...» 10*.
É
também ao longo destes dois séculos que o culto vai irradiar para as mais
diferentes regiões de Portugal e mesmo para regiões tão longínquas como o
Brasil e a Índia, construindo-se as casas das confrarias que serviam para
abrigo dos peregrinos das respetivas terras 11*.
1
Henrique da Silva Louro, “Brotas Através dos Tempos, Subsídios para a
sua História, 1535-1985”,
Guarda, Fábrica da Igreja Paroquial de Brotas, 1985.
2 Vd.
Abílio Salgado e outros, “Santuário
de Nossa Senhora de Brotas: Religiosidade Popular no Alentejo”, Edições
Colibri, Lisboa, 2003, pp 11-19 e 37-61.
3 Mircea Eliade, “O Sagrado e o
Profano”, Livraria Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, 1992, 1ª ed., p.
13.
4 Idem, p. 20.
5 Cit. Por Helena Vinagre, “O
Santuário de Nossa Senhora de Brotas”, ed. Câmara Municipal de Mora, Odivelas,
2005, p. 19.
6 Sobre a escultura
de marfim aqui aludida vd. Abílio
Salgado e outros… op cit., p. 44 e 72; Anastásia Mestrinho Salgado e outros, “O Culto de Nossa Senhora de Brotas e a Respectiva Igreja:
sua Relação com o Povoado”, Edição da
Câmara Municipal de Mora, 1987, p. 32.
7 Vd., idem, p. 7.
8 Ibidem, p. 10.
9 Helena Vinagre, “O Santuário de
Nossa Senhora de Brotas”, ed. Câmara Municipal de Mora, Odivelas, 2005, p. 18.
10 Idem, p. 24.
11 Sobre a expansão
do culto vd. Anastásia Mestrinho Salgado e outros, “O Culto de Nossa Senhora de Brotas e a Respectiva Igreja: sua
Relação com o Povoado”, Edição da
Câmara Municipal de Mora, 1987, pp. 12-23.
Prof Joaquim Lagartixa
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