terça-feira, 27 de maio de 2014

Mora,antes e Agora. Um isolamento que se rompe

Um isolamento que se rompe

É difícil imaginar, nos nossos dias, as condições de isolamento em que, durante séculos, decorreu a vida de escassas dezenas de pessoas que constituíram o núcleo  populacional de Mora, desde a sua fundação, por meados do século XIII 1*, até aos finais do século XIX. Com efeito, o lugar, embora geograficamente próximo da sede da importante ordem religiosa militar de Avis, ficava longe dos principais eixos de circulação, quer de mercadorias quer de pessoas, que punham em contacto Lisboa com a cidade de Évora, durante muitos séculos o segundo núcleo populacional do país e com a fronteira com a Espanha. A não existência, na região, de um rio navegável dificultava a circulação de mercadorias e os contactos comerciais com a capital, sendo necessário recorrer-se aos portos fluviais de Abrantes, Coruche ou Salvaterra 2*. O fraco assoreamento dos rios e ribeiras, muito menos sentido há alguns séculos atrás, transformava então os cursos fluviais em ótimas vias de comunicação de penetração para o interior do território até limites que hoje nos parecem surpreendentes.

Em documentos do século XIII, Mora aparece designada como sendo uma “mesta, isto é, uma “agremiação de pastores transumantes. Quando, no tempo próprio, esses pastores partiam com os gados confiados à sua guarda, natural é que aqui deixassem as mulheres e os filhos” 3*, pouco mais de uma dúzia de almas perdidas no meio das bouças e dos montados.
Contudo, este isolamento começa a ser rompido na segunda metade do século XIX e princípios do seguinte, quando também em Mora se fizeram sentir os benefícios da aplicação da política de modernização dos meios de transporte e das vias de comunicação conhecida como fontismo, de Fontes Pereira de Melo, político responsável pela sua implementação. Até então, as vias de comunicação existentes «não eram mais que velhos e tortuosos caminhos a que pomposamente se dava o nome de estradas reais» 4*. «No século XVI, por exemplo, para se ir até Évora tinha de se «ganhar o caminho que levava às Águias, passando «por Arraiolos» 5*, o que atesta a importância que, naquele século, a Vila das Águias ainda detinha na região. «Deste caminho (das Águias) «saía um outro que levava a Montemor-O-Novo» 6*.

Ainda no século XVI, o viajante que quisesse deslocar-se a Lisboa « desceria qualquer caminhito que o pusesse na ainda hoje chamada estrada velha do Couço, « então um caminho de pé e carro golpeado no sopé da colina, o qual «se dirigia à vila da Erra e daí a Coruche» 7*. A partir daqui, o viajante desses recuados tempos tinha provavelmente duas opções, que adotaria de acordo com as condições meteorológicas/climáticas ou  de ordem pessoal: prosseguir a viagem por terra, arrostando com todas as dificuldades daí resultantes ou escolher a via mais (naquela época) rápida e barata, já que o transporte fluvial estava menos sujeito ao pagamento de portagens do que o terrestre, isto é, alugar uma barca ou pagar o  transporte a um barqueiro e fazer o resto do percurso Sorraia abaixo até à capital. Fosse como fosse, era uma aventura e tanto, que levava, certamente, vários dias.
Duas outras ligações já documentadas nestes tempos recuados eram o «caminho que «levava a Pavia, passando pelo Vale de Mora e «a estrada que conduzia a Avis, que «galgava o rio em dois pontos: um, antes de Cabeção; e o outro, depois dessa vila» 8*.
Ainda no século XIX, época em que a manutenção do concelho passou por várias dificuldades, quando se pretendia argumentar a favor da necessidade imperiosa da sua conservação, explicava-se que «ir de Pavia, Cabeção, Mora ou Brotas a Montemor-O-Novo representava a perda de, pelo menos, três dias, sendo dois para jornadear a cavalo 9*.
É já mesmo no finalizar do século XIX (1898) que «foi pedida ao Ministério das Obras Públicas a construção das estradas para Montemor-O-Novo, Coruche, Ponte de Sor, Évora e Vendas Novas 10*, tendo-se começado, no final desse ano, a construção do lanço entre Mora e Brotas.


Estação de Mora - Google Street View

É igualmente por essa altura que, por influência do político morense de projeção nacional Joaquim Nunes Mexia 11*, se começa a construção do ramal de caminho-de-ferro que haveria de ligar Mora à rede nacional através de Évora. «Esta linha, na parte compreendida entre Pavia e Mora foi inaugurada no dia 11 de julho de 1908, tendo as obras exigido a instalação, em 1906, de «uma força militar ”para sustentáculo da ordem pública que a cada passo, antes dela vir, neste concelho era frequentemente alterada em consequência dos numerosos trabalhadores e operários” empregados na sua construção» 12*. As estações deste ramal eram, para além de Mora e Évora, as seguintes: “Cabeção, Pavia, Vale de Paio, Arraiolos, Sr.ª da Graça, Louredo e Leões» 13*.
Quanto aos serviços de correio, sabe-se que, «a partir de 1 de janeiro de 1851, começou «a fazer-se, às quintas e domingos, com partida de madrugada», a ligação a Montemor-O-Novo. « A 13 de Maio de 1886 foi solicitada ao governo, com sucesso, a instalação de «uma estação permanente telegrafo-
-postal e a « 29 de Dezembro de 1893 foi pedida a criação do lugar de distribuidor do correio pois Mora era o único concelho do distrito «que o não tinha» 14*

Prof. Joaquim Lagartixa

1.    Sobre os inícios do povoado vd. Lopes Correia, “Mora e o seu concelho”, Câmara Municipal de Mora, 3ª edição, 1998, pp. 15-19.
2.    Sobre o escoamento de produtos, nomeadamente sobre os que tinham a sua origem na mata de Cabeção, vd. Maria Ângela Beirante e outro, “O Pinhal de Cabeção”, ed.s Colibri, Lisboa, 2009, p.76.
3.    Lopes Correia, op. cit., p.19.
4. Idem, p.32.
5. ibidem, p.32.
6. Ibidem, p.32.
7. Ibidem, p.32.
8. Ibidem, p.32.
9. Ibidem, p.71.
10. Ibidem, p.83.
11. Sobre a atividade política deste morense influente vd. Manuel Baioa, “Elites Políticas  Em Évora da I República  à Ditadura Militar (1925-26)”, Edições Cosmos, Lisboa, 2000, p.46.
12. Lopes Correia, “Mora e o seu Concelho”, op. cit., p.83. Não deixa de ser curioso esta anotação para o início do século passado, dado que a violência e a mobilidade das populações parecem ser-nos apresentadas muitas vezes como exclusivas dos nossos dias.
13. Virgínia F. Falcão e Rui F. Falcão, “A Farmácia, a Praça e a Vila”, ed.s Rui F. Falcão, Dezembro de 2000, p. 139.
14. Lopes Correia, op. cit., p.81.

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